Quando “Aqui de Dentro” (Estação Liberdade), último romance de Sam Shepard, foi lançado, logo entrou na minha lista de compras. O escritor, dramaturgo e ator, morto em 2017, foi daquelas figuras que instigavam a leitura com sua visão própria da vida na estrada, dos afetos e como tudo isso se entrelaça.
Cheguei a pegar o livro e entrar na fila do caixa, mas desisti na última hora, sabe-se lá por qual motivo. Tempos depois, fui ler, com certa atraso, “Crônicas de Motel” (L&PM), seu principal livro, um pequeno volume que traduz todo o ideário de Shepard. Até então, só tinha lido uma coletânea de contos, “Cruzando o Paraíso” (Mandarim), devidamente fora de catálogo no Brasil.
Voltei a pensar em “Aqui de Dentro” quando li “O Ano do Macaco”, mais um pedaço das memórias de Patti Smith. Parte da estrutura do livro relembra como ela ajudou Shepard a finalizar seu último romance, já doente e preso ao rancho. Patti Smith também escreveu o prefácio do livro.
Na sua despedida, Shepard faz do romance um resumo de tudo o que foi de mais importante em sua vida. As lembranças se infiltram nas histórias de seus personagens, que não são lineares e nem se ocupam de refletir uma trama — apesar de ter uma, a da garota namorada do pai com quem o narrador se envolve.
Shepard busca o seu pai também, em delírios que podem ser sonhos ou divagações, enquanto os Estados Unidos vão se descortinando pelas páginas.
“Aqui de Dentro” é um romance de degustação, daqueles que precisam de absorção e reflexão. Se em “Crônicas de Motel” havia a urgência de quem ainda estava nos seus 30 anos, o último romance entrega o que o homem de 74 anos viveu, mas com a delicadeza de que cada pedaço tem sua história própria.
É um livro para guardar e revisitar.