O quadrinista francês Chabouté foi minha grande descoberta neste ano. Autor que trabalha com preto e branco e que usa o silêncio de forma cirúrgica, ele impõe em suas obras um tom melancólico e lírico, sem abusar de um nem de outro.
Seus livros são editados pela Pipoca & Nanquim, com capa dura e bom acabamento. São três livros publicados no Brasil, e eu passei por dois: Solitário e Um Pedaço de Madeira e Aço — falta a adaptação de “Moby Dick”.
Comecei por “Solitário”, que conta a história de um homem que vive sozinho em um farol após a morte de seus pais. Ficou escondido, pois nasceu com deformações. Semanalmente, um barco entrega as provisões para esse homem. Um novato da embarcação quer entender o que se passa no farol e muda a vida do solitário.
A abertura é magistral. Em quase 20 páginas, acompanhamos uma gaivota em alto-mar e as oscilações da água, enquanto a ave se aproxima do farol. É possível sentir o vento e o cheiro.
Chabouté não coloca voz no solitário, apenas nos personagens secundários. O homem que vive no farol tem como única companhia um dicionário, herança dos pais que disseram que o livro seria a chave para criar mundos.
Então, após suas refeições, ele abre aleatoriamente o dicionário e escolhe uma palavra. Cria em sua imaginação o que seria o significado daquilo que leu. Assim, passa seus dias.
E o significado dessa imaginação abre espaço para a arte criativa de Chabouté, nas representações dos sonhos que logo passam a desejos, uma transição levada com cuidado e delicadeza.
Já “Um Pedaço de Madeira e Aço”, o personagem principal é um banco em um parque. Neste, não há voz. Acompanhamos a vida desse banco e das pessoas que passam por ele e convivem com ele.
Há o homem que cruza a sua frente diariamente, indo e vindo do trabalho, sem notar que ele existe. Um casal de idosos senta para dividir um doce, uma rotina que marca a passagem do tempo. Um homem senta com um buquê de flores lamentando o encontro desfeito. Há músicos que ensaiam, uma senhora que lê, um cachorro que busca abrigo, um morador de rua que usa o banco como cama, os burocratas que mudam a trajetória do banco, um leque de personagens que traduzem o que é a vida e como usamos e deixamos passar as coisas que estão ao nosso redor.
Chabouté conclui a história de todos seus personagens, o que força o leitor a recuar e rever como cada trama começou. A passagem do tempo não é brutal, mas é carregada de vida.
Os livros de Chabouté são quadrinhos, cinema, literatura, artes plásticas. Nesta opinião, ele é, ao lado de Jeff Lemire, o grande autor de HQ atualmente.




Descobri Chabouté também esse ano e comecei igualmente por Solitário. Todos os sentimentos que você colocou em palavras foram os meus. Que delicadeza nos traços e histórias. Maravilhoso! Estou curiosíssimo para ver a edição de Moonshadow que a Pipoca e Nanquim está preparando.
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Um autor a ser acompanhado.
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