“Desde o final da década de 1990, os imigrantes montaram acampamentos improvisados perto da cidade portuária de Calais, na tentativa de chegar ao Reino Unido. Os acampamentos improvisados passaram a ser conhecidos como a Selva.
No início de 2015, durante o pico da crise migratória na Europa, a população dos campos cresceu, ultrapassando 6 mil pessoas. O acampamento foi desativado em 25 de outubro de 2016.”
Este é um trecho que faz parte da exposição Raiz, do chinês Ai Weiwei, que circula o país nos vários Centros Culturais Banco do Brasil. Ele explica o vídeo “Calais”, que compõe o documentário “Human Flow”.
Weiwei visita o acampamento para checar a rotina dos refugiados e como eles vivem naquele aglomerado, com regras difusas e muita violência.
Kate Evans é uma ativista e cartunista canadense, com obras que discutem questão de gênero, clima e política. É autora da biografia em HQ de Rosa Luxemburgo, “Rosa Vermelha” (WMF Martins).
Ela também foi a Calais para retratar a crise humana que aconteceu na cidade portuária francesa. Esse trabalho jornalístico resultou em “Refugiados — A Última Fronteira” (Darkside), certamente, uma das melhores HQs lançadas neste século.
Trabalho de fôlego e extremamente sensível, o livro relata como era a vida no campo de refugiados por meio de sua história — Evans viaja a Calais para atuar como voluntária e começa a desenhar as cenas chocantes que presencia.
A obra mistura reportagem documental com técnicas de quadrinhos, um modelo consagrado por Joe Sacco. Evans opta pelas cores, ao contrário do artista malta, que se fixa no preto e branco.
A crise humana emerge das páginas com violência. Os desenhos delicados de Evans, que usa um método de coloração semelhante ao lápis, reforçam essa violência, pois realista — em certos quadros, a sensação do leitor é de ver uma fotografia transformada em ilustração.
Ela presencia a violência da polícia francesa, o drama das pessoas que buscam um caminho de sobrevivência e a esperança dessas mesmas pessoas em recomeçar a vida longe da guerra civil — a maioria vinha da Síria.
Enquanto a Europa discutia o que fazer com essas pessoas, o campo vivia uma efervescência cultural e de interesses escusos. Exploradores e aproveitadores surgiam a todo momento para tirar dinheiro de quem quase não tinha. A polícia agia como se todos fossem terroristas e uma ameaça à segurança da Europa ocidental. No meio de tudo isso, Evans e as equipes de voluntários tentam cuidar de mulheres e crianças, em meio à sujeira, higiene precária e falta de comida e água.
O retrato é brutal. Seco, sem espaço para contemporizações. “Refugiados” é um documento que escancara a hipocrisia humana e a falta de compaixão que regem estes tempos.
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