Este é o primeiro livro que leio de uma autora da Coreia do Sul. “A Vegetariana” (Todavia), de Han Kang, abre a literatura do país asiático na minha biblioteca com uma força rara, carregada de um frescor narrativo que não só faz bem a quem lê como instiga a curiosidade a respeito da escritora.
O livro é dividido em três capítulos, cada um com um foco narrativo: A vegetariana, A mancha mongólica e Árvores em chamas.
No primeiro, que sustenta todo o enredo, lemos o que seria a versão do marido de Yeonghye, uma mulher que acorda de um sonho e decide se tornar vegetariana. A decisão assusta a família, que tenta a todo custo fazê-la mudar de ideia.
A única justificativa que ela dá é o sonho, mas ninguém aceita. O marido tenta superar as mudanças e se adaptar às novas circunstâncias. Sem dar voz à mulher, tudo gira em torno dele: o homem que é obrigado a comer outras coisas que não são carnes, hábitos dos quais se vê obrigado a deixar de lado.
Yeonghye enfrenta os problemas naturais a quem muda de dieta radicalmente, emagrece, perde vigor, mas consegue se recuperar. Até uma reunião familiar que termina em tragédia mudar de vez o rumo de sua vida.
Quando começa a segunda parte, o narrador muda sua voz para focar no cunhado de Yeonghye, que desenvolve uma obsessão sexual por ela. Cada vez mais submissa e esquecida, ela provoca outro choque familiar.
Que nos leva ao capítulo final, em que sua irmã surge como a linha que une toda a trama. Os traumas já estão no limite, assim como as possibilidades que a família encontrou para lidar com a teimosia de Yeonghye — ela submerge diante da conclusão que seu vegetarianismo é resultado de uma teimosia, sem justificativas e motivos claros.
A mulher se cala, como resultado da opressão masculina e da sensação de impotência que a toma para fazer valer suas decisões. Submete-se, mas não abre mão do seu vegetarianismo — essa é a única coisa que lhe sobra, como desejo de sobrevivência e manifestação.
O livro trata da mulher e da sua situação no século 21 de uma forma original e criativa, para demonstrar que o machismo domina em situações aparentemente simples, mas que carregam a complexidade inerente a essa questão.
O romance é curto, não chega a 180 páginas, mas sua força é tão concentrada que chegamos ao final com a sensação de ter ultrapassado um épico. Han Kang venceu o Man Booker International Prize por “A Vegetariana”, livro que não precisaria da honraria para ser traduzido no Brasil e lido.