Fabien Toulmé é francês e, por conta do seu trabalho, conheceu e acabou se casando com uma brasileira, moradora de João Pessoa (PB). O casal tem uma filha e vive no Nordeste, até que ele descobre que sua mulher está grávida novamente.
O que era para ser uma notícia comum e até esperada se transforma numa saga que beira a histeria. Toulmé perde o controle emocional e sua história é o fio condutor da HQ “Não Era Você Que Eu Esperava” (Nemo).
Ele se mostra um pai estressado, enquanto sua mulher tenta manter o controle da casa. Os dois vão juntos fazer exames e às consultas, acompanhados da paranoia do francês — em alguns momentos, lembra o bom humor de outro artista das HQs, o canadense Guy Delisle.
Ouvem de um médico que não é necessário fazer um exame que poderia identificar se o bebê carregaria alguma doença — o que eles fizeram foi um procedimento mais simples.
Quando Julia nasce, aparentemente normal, surge o alívio. Mas, com o passar dos dias, Fabien começa a desconfiar das expressões e da estrutura óssea da menina. Lança a dúvida para os médicos: ela tem síndrome de Down?
No início, os médicos insistem que precisam fazer mais exames, mas, à medida que o tempo passa, ele tem cada vez mais certeza do positivo. Até que a confirmação chega. E todos os elementos da paranoia se transformam em realidade.
A HQ então se transforma no caminho de aceitação do pai, que realmente diz num momento chave da história que não esperava por ela — ela, Julia, portadora de síndrome de Down.
A família se muda para a França, onde será possível ter um acompanhamento médico mais próximo da filha, com terapias mil — mas esse não é o único motivo da viagem. A trajetória da aceitação não é fácil, o casal enfrenta preconceitos enquanto tenta lidar com as dificuldades naturais de cuidar de Julia.
Eles estudam, leem e buscam soluções que façam Julia se sentir melhor e crescer com desenvoltura — até que aceitam as limitações da criança e conseguem relaxar.
Apesar do tema delicado (um pai que não consegue aceitar totalmente a filha), Toulmé conseguiu repassar para as páginas (texto e ilustrações) as possibilidades que surgem diante de um momento difícil como esse que enfrentou.
Ele retrata seu dia a dia, o cuidar da criança, com as limitações naturais. A mãe leva a realidade com mais segurança, assim como a irmã mais velha, ansiosa por querer a caçula por perto. Os momentos do pai com a bebê revelam a cumplicidade que vai se construindo, o que ajudou a derrubar a resistência.
Daí veio a coragem para assumir e expor sua sensação inicial. Ele não diz de todos os pais de filhos com síndrome de Down — a história é dele e somente a ele se refere.
O texto não tem nada de autoajuda nem provoca sensações fáceis como pena. Muito menos apela. É a descrição da dor e da superação, que passou obrigatoriamente pela aceitação. A reação do pai não gera raiva pela rejeição — algo que nunca aconteceu.
Há sim a batalha pela aceitação e o medo do futuro, da filha e deles. São essas questões que entram em perspectiva. E que só se resolvem quando Fabian entende que não há motivo para temores. Julia cresceu e está inserida na sociedade, com qualidade de vida e saúde — como mostra o final da HQ.
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