“As Coisas que Perdemos no Fogo” (Intrínseca) poderia ser resumido, erroneamente, como uma coletânea de contos de terror ou suspense. Seria, também, uma definição preguiçosa.
Pois o que a jornalista e escritora argentina Mariana Enriquez entrega é uma seleção de textos que carregam como pano de fundo a política, a ditadura militar que castigou seu país, afetos intransponíveis e solidão.
Seus 12 contos se passam numa Argentina que vive os restos políticos e econômicos de um governos que deixaram o país assolado num drama refletido sem piedade na vida das pessoas. Essa fraqueza induzida a ferro e fogo conduz as personagens de Enriquez de um jeito que até parecem saídos de uma passagem surrealista, mas o que ela faz é criar representações que levam o inverossímil a encontrar amparo na nossa imaginação.
Ela é uma escritora de mão cheia. Seus fantasmas, suas ilusões provocadas, sonhos e imaginações se unem em histórias criativas e bem engendradas.
É uma crônica da Argentina, travestida de mistério e que busca decifrar os anos intoxicados que o país viveu.
O leitor se depara com personagens que desaparecem, casas que carregam mistérios, cidades encharcadas de coisas inexplicáveis. Ao provocar a imaginação do leitor, Enriquez força a reflexão, pois nada surge por acaso. Há ligações com temas centrais atualmente, além da discussão política, como depressão.
O conto que dá título ao livro e fecha o volume é das coisas mais poderosas já produzidas sobre a violência contra a mulher. Ela conta a história de mulheres que eram incendiadas e resolveram enfrentar o problema criando o grupo Mulheres Ardentes. Não há ironia, há, sim, o choque, o confronto.
“As Coisas que Perdemos no Fogo” é daqueles livros que precisam ser lidos. Ao final, resta a pergunta: por que não há mais Mariana Enriquez publicada no Brasil?
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