Este era um livro que eu queria ter lido havia muito tempo. Desde que topei com uma resenha de “O Museu da Inocência”, do turco Orhan Pamuk, interessei-me pela obra. Talvez mais pelo que ela carregava na vida real do que pela trágica história de amor.
Explico: o livro embaralha ficção e realidade, ao transformar o autor em narrador, enquanto o tal museu passa de um endereço físico para as páginas da obra.
Pamuk começou a escrever o livro em 2002, quando deu partida no projeto de reunir objetos que se transformariam no museu que dá título ao livro e o pano de fundo da trama.
Kemal Bey é membro de uma família rica e tradicional de Istambul, prestes a ficar noivo de Sibel. Estamos na Turquia dos anos 70 e 80, época em que o país buscava a modernidade enquanto brigava com suas raízes tradicionais. Cenário que dificultava a vida de Kemal, que começa a ter um caso com sua prima Füsun, enquanto vivia o cotidiano de festas e futilidades do noivado. Para completar a dramaticidade, os encontros do casal proibido acontecem num prédio da família, o Edifício Merhamet.
Nesse ponto, as histórias de Kemal e Pamuk se entrecortam. O personagem começa a colecionar objetos de Füsun, do pequeno brinco, que abre o livro de forma emocionante, às bitucas de cigarro e a qualquer outra memória. Na vida real, o escritor Nobel de Literatura também já tinha iniciado a coleta de objetos memorialísticos, que hoje estão expostos numa casa em Çukurcama, onde no livro moram Füsun e sua família e chamada igualmente de Museu da Inocência.
O museu passa a ser não somente um porto de memórias do amor de Kemal/Pamuk, mas a instituição também faz o papel de marcar a história turca, um recorte de tempo fundamental para o país. Há também crítica aos museus tradicionais, com a soberba própria da arte e da discussão do que é arte.
Entre fantasia e realidade, Pamuk conduz o livro ao longo de 74 capítulos, que são também 74 vitrines no museu. Essa fusão não fica clara no início, mas o leitor descobre ao percorrer o longo livro do turco. Tão longo que se perde lá pelo meio, ao não propor soluções nem apresentar digressões que justificassem as quase 600 páginas.
A história de amor entre Kemal e Füsun começa empolgante, com uma construção delicada e tão verossímil quanto possível. A traição a Sibel transforma o jovem turco, que se divide entre a paixão e um futuro adequado ao imaginado pelas famílias tradicionais. Mas Pamuk prolonga ao extremo o triângulo, enquanto comenta rapidamente a formação do museu.
Em algum momento, abre caminho para formular suas teses sobre os museus, por meio das viagens de Kemal por todo o mundo. Ele lista todos os museus visitados, seus acervos, numa sequência de páginas sem-fim, um recurso que ao final parece um manifesto.
Ao esticar a história antes vigorosa, Pamuk caminha pelo enfado e o leitor pensa inúmeras vezes em largar ou pular capítulos para chegar ao final. Nem a recompensa que o escritor entrega nas últimas páginas acaba por valer a pena, tão grande o desgaste da leitura.
É uma pena, pois a proposta da trama amorosa supera boa parte do que se escreve sobre esse tema. Soma-se a ela a ideia do museu dos objetos pessoais, uma forma de contar a história também de um país e de suas transformações. Considerando essas linhas, teríamos um livro extremamente promissor.
Ao final, logo ao lado do cansaço, encontro a decepção. Ficaram as ideias.
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“Encomendei este quadro para expor em nosso museu, comunicando ao artista todos os detalhes necessários, e ele produziu uma bela impressão da luz alaranjada do lampião a infiltrar-se no interior do apartamento de Füsun, da castanheira que cintiliva ao luar e da profundidade do céu azul escuro para além da linha dos telhados e chaminés de Nisantasi. Mas será que também transmite ao visitante, eu me pergunto, os ciúmes que eu sentia?”
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Sinapses
Deixo indicações de três textos que contam a história da criação do Museu da Inocência:
Um comentário em ““O Museu da Inocência”, de Pamuk: a história de amor que criou um inventário de objetos”