Sou fã de Joe Sacco. Desde sua estreia no Brasil, ainda na Conrad, com “Palestina – Uma Nação Ocupada”, em 2000.
Sua forma de fazer jornalismo, muito além de narrar um fato por meio de uma HQ, provoca um debate rico e atual. Sacco se insere na reportagem, é retratado pelo seu traço e faz parte da interlocução como personagem. Pratica um jornalismo autoral, engajado ao fato, mas com talento para manter a distância necessária e não interferir na ação. É raro encontrar essas qualidades juntas no mesmo jornalista.
Costuma dar voz a um parcela que normalmente escapa do jornalismo, como fez no Oriente Médio e nos Balcãs.
Seu novo livro, “Reportagens”, amplia um pouco esse debate jornalístico. Coleção de histórias que escreveu e desenhou para jornais e revistas nos últimos anos, a HQ traz Sacco disposto a se questionar.
São seis histórias. Na primeira, “Julgamento de Guerra”, um raro Sacco em cores, ele vai a Haia para cobrir o tribunal os crimes cometidos na Guerra dos Balcãs. Ainda em cores, “Território Palestino” leva Sacco e Hebron, para reportar a vida dos moradores e a repressão de Israel.
Depois, surge “A Guerra e as Chechenas”, uma reportagem contundente sobre a vida das mulheres abandonadas em campos de refugiados. “Iraque” embarca Sacco com as tropas americanas na Guerra do Iraque. “Os Indesejáveis” trata da imigração africana para a Europa, especialmente para Malta, sua terra natal.
Para fechar, “Kushinagar” se passa na Índia e mostra como funcionam as relações das castas e o quanto isso afeta a vida das pessoas em regiões miseráveis.
Sacco tem como tema os conflitos e seus efeitos. Seja por conta de uma guerra ou por uma tradição, esses conflitos refletem no jornalista a vontade de contar suas histórias e em como eles afetam gerações de pessoas.
Nesta reunião, temos violência contra a mulher, preconceito racial e religioso, intolerância social, interesses econômicos e efeitos geopolíticos oriundos da uma Europa medieval.
Desta vez, além de experimentar a cor em duas de suas histórias, ele também questiona sua presença nas histórias como personagem atuante.
Esse diálogo que ele propõe é uma das forças de “Reportagens”. Ao final de cada história, Sacco escreve algumas reflexões sobre a matéria, sua postura jornalística e como alguns personagens o afetaram.
É daquelas peças obrigatórias para tentar entender o mundo, produzidas por uma mente que expande a noção restrita do jornalismo com qualidade e visão apurada.
A lamentar a edição da Companhia das Letras. Sem índice, com capa frágil, sem orelha. Cheira a desleixo.

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Sinapses
- Para ler mais sobre Sacco: “Notas sobre Gaza”
- Jornalismo em forma de HQ: “O Fotógrafo”
2 comentários em “Joe Sacco revê seu jornalismo em “Reportagens””