Gosto de escrever umas notas de leitura para dar vazão a livros lidos, relidos ou que mereçam ser selecionados por algum motivo. São textos curtos, sem o compromisso de esmiuçar tanto a experiência. .
Alguns livros merecem um texto mais aprofundado, mas o dia a dia não me permite e não gostaria de deixar passar tanto tempo sem falar desses que surgirão a seguir. Por isso, em vez de esperar, solto estas notas para falar de três livros lidos recentemente.
“As Meninas Ocultas de Cabul” (Companhia das Letras), de Jenny Nordberg
No Afeganistão, famílias que não conseguem ter filhos homens sofrem preconceito e podem ser excluídas da sociedade. Para evitar esse tipo de problema, os pais transformam as meninas em meninos, ainda crianças, com seus 6 anos. Dessa forma, são aceitos e conseguem respeito. A questão é que essas crianças acabam por se transformar psicologicamente também. A volta ao gênero, anos depois, por conta da maturidade física, é traumática. Muitas não querem voltar a ser mulheres, pois não terão mais liberdade de agir, brincar, andar nas ruas. Os homens podem tudo, enquanto as mulheres têm inúmeras restrições, que ultrapassam a indumentária. A jornalista norte-americana disseca essa história num livro tocante e revelador. Conhecemos as vidas dessas famílias e dessas crianças, as chamadas bacha posh. É uma reportagem que, mais do que colocar um pouco mais de fé no jornalismo, mostra o quanto o mundo ainda está longe de encontrar um equilíbrio que permita a vida em comum. Livraço.
“A Ditadura Acabada” (Intrínseca), de Elio Gaspari
Este é o volume que encerra a série sobre a ditadura escrita pelo jornalista. Após “A Ditadura Envergonhada”, “A Ditadura Escancarada”, “A Ditadura Derrotada” e “A Ditadura Encurralada”, chega o volume que trata do final do regime militar no Brasil, o que capta o período em que Ernesto Geisel deixa o governo, Figueiredo assume e entrega o Brasil ao governo civil eleito indiretamente – de 1978 a 1985. Gaspari, ao lançar o quarto volume, disse que não entregaria o último, com a justificativa de que Figueiredo pedira para esquecerem dele. Voltou atrás e fechou o ciclo de ensaios com o pior livro da série. Serve como combustível para relembrar eventos mais frescos na memória, como a transição da ditadura para a democracia, o Diretas Já, a eleição e a morte de Tancredo Neves, tudo narrado com uma certa pressa, apesar de muitíssimo bem documentado. Pena. Vale, então, fuçar nos Arquivos da Ditadura, site em que Gaspari colocou à disposição áudios, reprodução de documentos e outros itens que testemunham a história recente.
“Nada a Temer” (Rocco), Julian Barnes
O escritor inglês tenta avisar de que não se trata de uma autobiografia, mas um apanhado de memórias e reflexões que se aproximam do ensaio. Barnes, autor dos belíssimos “Altos Voos e Longas Quedas” e “O Sentido do Fim”, escreve sobre o fim, a perda, a morte. Reflete sobre a morte de seus pais e avós, tenta entender como a religião trata esse tema, enquanto a ciência se mostra impotente diante de certos quadros. Ele quer entender como algumas pessoas reagem com a perda, algo que ele foi sofrer anos depois, com a morte da mulher e tratada nos livros citados acima. Busca memórias da infância e dialoga com seu irmão, filósofo, na tentativa de decifrar nossos temores e a forma como lidamos com situações extremas. Sua obra fica cada vez mais fundamental.
Julian Barnes é um dos meus autores preferidos. Simplesmente delicioso ler algo dele! Já leu Em Tom de Conversa e a continuação, Amor, Etc? Muito bons!
Bjs,
Livro Lab
CurtirCurtir
Oi Aline, também gosto do Barnes – cada vez mais. Já li esses dois livros, sim, foram minha porta de entrada à bibliografia do escritor. Escrevi sobre eles: https://capitulodois.com/2013/10/11/biblioteca-essencial-dois-romances-em-busca-do-equilibrio/
Beijo
CurtirCurtir