A história é conhecida. Jornalistas de veículos de Rupert Murdoch, especialmente do tabloide “News of the World”, foram pegos numa trama de escutas ilegais que desembocou na prisão de um editor e no fim do jornal.
Foi um escândalo detonado por investigações jornalísticas, um trabalho que levou alguns meses até ser publicado no “The Guardian” por Nick Davies. A trama, que trazia consigo ameaças veladas e outras nem tanto, envolvia não somente jornalistas e a cúpula do jornal, mas policiais e até a Scotland Yard.
Esta é a história de “Vale Tudo da Notícia” (Intrínseca), o livro em que Davies esmiúça o caso e conta como a investigação começou, seus bastidores e consequências. O subtítulo reforça a pegada do livro: “O escândalo de grampos, suborno e tráfico de influência que abalou um dos maiores conglomerados de mídia do mundo”.
Celebridades, jogadores de futebol, políticos e realeza foram as vítimas das escutas ilegais, que ajudaram a vender muito jornal e colocaram em debate a forma como a imprensa britânica sensacionalista funcionava.
O relato de Davies é minucioso. A primeira parte, Crime e Acobertamento, é uma aula de jornalismo. Há um tom de mistério, apesar de a história ser conhecida, que o jornalista consegue impor ao texto. Mas quando ele chega à segunda parte, O Jogo do Poder, o leitor pode apresentar já um certo enfado – talvez cansaço seja a palavra adequada.
A profusão de nomes e o detalhamento dos fatos chegam a um nível de relatório. Os personagens envolvidos são tantos e diversos que fica difícil acompanhar a trama – ou o leitor passar por cima disso ou vai ter que consultar a cada parágrafo o índice, uma mistura de remissivo e onomástico, que ocupa quase 50 páginas do volume.
Não é uma tarefa fácil chegar ao final. Mas o conteúdo é tão impressionante que vale suportar o exagerado detalhamento e completar a leitura. Até porque, entremeando a história dos grampos, Davies insere análises sobre o trabalho jornalístico, a ética e o dilema diário de todo repórter. Resumindo, o leitor será recompensado ao final.
Assim como o jornalismo foi recompensado ao final desse caso.
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“Qual a diferença entre um repórter de um jornal como o ‘News of the World’ e um do ‘The Guardian’? Não acredite em quem lhe responder que tem a ver com valores morais, inteligência ou sensibilidade. Em ambos os mundos há fihos da puta e idealistas, gente de moral duvidosa e gente boa. Repórteres são muito parecidos entre si. Funcionam à base de uma mistura psicológica inflamável, como gasolina com ar: uma combinação explosiva de imaginação e ansiedade.”
“Você exercita sua imaginação ao máximo, como se fosse um músculo, aé que fique mais forte que a dos outros, até que se transforme em algo bizarramente poderoso. E uma, duas, mil vezes você a aplica ao seu assunto e começa a se perguntar, com grande energia e imagens mentais vívidas: o que pode ser verdade? Onde posso encontrar provas? Quem pode saber? Por que essa pessoa falaria? Qual é o próximo passo? O que está faltando? Como completo o quebra-cabeça no escuro? Em seguida, quando você começa a analisar o produto de sua imaginação, completa a mistura despejando doses iguais de ansiedade capazes de abrir uma cratera no estômago. E se não der certo? Se eles não falarem comigo? Se preferirem falar com outra pessoa com um caderninho? Se mentirem para mim? Se gravarem a conversa comigo? Se me dedurarem para a oposição? E seu eu estiver errado? E se os idiotas da redação não publicarem a matéria?”
Também estou lendo e gostando muito. É lama, muita lama…
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Coisa de gângster mesmo. Mas o fato de um jornalista ter contado essa história num jornal do porte do Guardian me faz ter esperança
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