Por Enzo Potel
Em algum momento do ano passado, estive procurando resenhas de obras da Margaret Atwood, de quem até então nada havia lido, e descobri “Negociando com os Mortos” (Rocco), um livro espetacular sobre a escrita de ficção.
A vida de Atwood é apenas uma discreta moldura com a qual ela vai questionando sua condição de leitora e de escritora. Sabe o solo traiçoeiro em que está pisando: sugere e pergunta muito mais do que afirma. Quando afirma, constrói comparações muito palpáveis. Tudo isso entrelaçado com inúmeros comentários sobre outros autores e obras.
São seis capítulos, seis perspectivas, e aquele em que Atwood fala sobre o escritor e sua condição social é o que mais me marcou. Eis um momento:
“Ainda assim, vamos supor que as palavras que o escritor escreve não existam em um jardim cercado de muros a que chamamos de ‘literatura’, mas realmente extravasem para o mundo e produzam efeitos e consequências. Então será que não deveríamos começar a falar sobre ética e responsabilidades e outros assuntos igualmente cansativos que o sacerdote da imaginação arrogou ser seu direito desconsiderar?”
É o que escreve a escritora, depois de questionar a moral daqueles que fizeram justamente o caminho contrário: ganharam dinheiro denunciando as misérias de sua sociedade.
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Enzo Potel é poeta, autor de “Conto de Facas” e “Cura”. Ele enviou para o blog uma proposta: escrever pequenas pílulas de livros encontrados na Estante Virtual por um bom preço e que valem a pena serem descobertos. Seus textos são publicados regularmente no blog.