O blog é leitor fiel da coleção Otra Língua, publicada pela Rocco. A série lança no Brasil autores latino-americanos, a maior parte deles inéditos em português e fora da lista das escolhas óbvias.
Então, temos autores de Honduras, Equador, Paraguai, México, Bolívia, Chile, Uruguai e Argentina, entre os já lançados. É uma lufada de frescor nas prateleiras tão viciadas e sem criatividade. A coleção é coordenada pelo escritor Joca Reiners Terron.
O blog leu os dois últimos lançamentos da coleção. “O Uruguaio” é dos melhores lançamentos da Otra Língua. O livro abrange as duas pontas do trabalho de Copi, pseudônimo do argentino Raúl Damonte: o conto que dá nome ao livro é a estreia do escritor, publicado em 1972; já a “A Internacional Argentina”, de 1988, é a novela que encerra a carreira do autor.
“O Uruguaio” é uma pequena joia. Estamos lendo uma carta que relata uma tragédia no Uruguai. O país é atingido por um tsunami de areia, que o cobre por completo. A cada frase, o autor da carta pede ao Mestre, seu leitor, que apague o texto já lido. A verborragia dá lugar à imaginação quando o país volta a viver redesenhado no papel, com zumbis tentando se adaptar à realidade. A novela avança também pelo absurdo, com mesclas de thriller político bem humorado, num longo e único parágrafo.
Thriller é o gênero que domina “A Internacional Argentina”. Um multibilionário negro financia uma sociedade secreta, formada por argentinos que vivem fora do país e que querem mudá-lo, e encontra o poeta Dario Copi, que vive em Paris sem maiores pretensões artísticas. Apresenta um plano mirabolante para que o poeta seja o próximo presidente argentino.
Para isso, destila as piores impressões sobre o país sul-americano, sua gente e seus costumes – algumas beiram o racismo. Copi, sem entender as pretensões do ricaço, embarca na onda. O absurdo, já apresentado na estreia do autor, agora chega ao cume nesta novela, lançada postumamente em 1988, mas que poderia muito bem representar o que se passa atualmente, e não só na Argentina.
O segundo livro é “Um Ano”. Tardiamente, chega até nós o primeiro livro em português do chileno Juan Emar (1893-1964).
Este exemplar da prosa de Emar, pseudônimo de Álvaro Yañez Bianchi, é daqueles livros que incomodam e nos fazem recomeçar a leitura quando alcançamos a última página.
Suas 128 páginas reproduzem aquilo que seria um diário, sempre escrito no primeiro dia de cada mês de um ano que o leitor não consegue identificar.
Cada capítulo começa sempre com a expressão “Hoje…” junto a um verbo no passado – amanheci, vivi, reli… Sua prosa é urgente, enquanto a trama passeia tranquilamente pelo absurdo. Trata-se do cotidiano, em que realidade e ficção são conceitos ultrapassados.
*****
“Ira contra Deus. Ira por ter me feito pressentir – mesmo que apenas por um instante mínimo e mesmo conservando minha qualidade de mínimo ser – uma mínima parte do Seu papel. Pois quero permanecer no meu, sem distrações nem vislumbres, papel de homem verme que se arrasta e que, se for muito seu desamparo, charme e clame, sobretudo, pelos Infernos. Não bastas, também, nono amigo, para devolveres a paz a meu espírito.”
(“Um Ano”)
*****
Dos lançamentos da coleção, o blog recomenda ainda “Cantiga de Findar”, do mexicano Julián Herbert, “Hotéis”, do boliviano Maximiliano Barrientos, e “O Corpo em que Nasci”, da também mexicana Guadalupe Nettel.
Todos os livros da série foram lidos e comentados pelo blog. Para achá-los, é só clicar na tag Otra Língua.
Só para constar, o texto não é propaganda da editora. Todos os livros foram comprados pelo blog.