O carpaccio chega à mesa quase transparente. As finas fatias de namorado abrem o apetite, sugestão do chef, que veio conversar com a gente graças à comensal que me acompanhava, ela uma habituée do meio gastronômico de Belo Horizonte.
O começo auspicioso indicava que o jantar seria emblemático, mas não mostrava que a noite poderia terminar de forma lúdica.
Para o prato principal, eu permaneci na sugestão do chef, que me indicou o polvo grelhado – como resistir? Ela optou pelo nhoque de mandioquinha com queijo de cabra.
O chef sempre nos visitava, para papear e perguntar do serviço. Fomos paparicados, e isso faz a diferença num restaurante.
Os pratos estavam irrepreensíveis, e isso é o suficiente para descrevê-los.
Na hora da sobremesa, a única decepção da noite – meia decepção, pois o crédito era altíssimo a essa hora. A musse de chocolate, famosa e muito fotogênica tempos atrás, não estava no cardápio. As opções foram cheesecake com frutas vermelhas e uma cestinha com mascarpone e doce de leite argentino – não, não era Havana.
Pagamos a conta e fomos embora acompanhados pelo chef. O Ficus é obra posterior ao Aurora, restaurante do chef Mauro Bernardes que marcou época em Belo Horizonte anos atrás.
Ficamos conversando um bom tempo debaixo do ficus que orna a entrada da casa. E lá ele nos contou que Aurora foi inspiração de um poema de Adélia Prado. O chef recitou na hora os poucos versos que abriram sua veia gastronômica.
Singelamente, a noite terminou.
O poema de Adélia Prado se chama “Impressionista”. Foi lançado no seu primeiro livro de poemas, “Bagagem” (Record), em 1978. Estes são seus seis versos:
“Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.”