A curta obra de Ivan Gontcharóv é compensada pelo monumento “Oblómov”, lançado no Brasil no ano passado em edição caprichada pela CosacNaify. Contemporâneo de Gógol, antecipa a geração de Tolstói e Turguêniev, com quem ainda dividiria atenção, o escritor russo é conhecido como autor de um livro só, apesar de ter publicado dois outros romances.
A tradução brasileira tem 707 páginas mais um posfácio esclarecedor de Renato Poggioli, crítico italiano especializado em literatura russa.
Escrito entre 1857 e 1858, o livro escapa de ter uma trama. Como define Poggioli, “o assunto de ‘Oblómov’ é uma condição ou um estado, não uma série de acontecimentos ou eventos”.
O protagonista, um rico dono de terras, vive em sua mansão, atendido por seu servo Zakhar e de lá não sai. Faz planos, mas não os executa. Adia decisões e reprime seu empregado. Prefere ficar de roupão e deitado na cama.
É dessa forma que recebe amigos. Sempre a pedir para não se aproximar, com medo de pegar um resfriado.
A primeira parte do livro é um exemplo de técnica narrativa precisa. Uma sequência de amigos visita Oblómov, sempre a convidá-lo para passeios e compromissos, todos recusados. Entrementes, Oblómov se vê às turras com Zakhar por causa de uma ameaça de despejo e de redução de seus ganhos oriundos da fazenda.
A partir daí, já sem uma série de acontecimentos, Gontcharóv começa a executar a literatura de estado, com escreveu Poggioli. E o leitor se pega envolvido com aquele personagem, tal qual um Bartleby,que teima em não sair de casa.
Resiste à produtividade, apega-se à servidão. É o choque de duas Rússias na metade final do século 19.
A catarse chega quando ele resolve sair com seu amigo Stolz – ainda que levado meio à força. Oblómov se apaixona por Olga e terá que enfrentar sua paralisia e seu amor ao mesmo tempo. Gontcharóv então já preparou o leitor para a parte final, a conclusão de uma vida inerte, presa ao conforto imediato e desprovida de ambição.
Apesar de ser um homem sem vontades aparentes, Oblómov coloca em xeque a felicidade virtual. Como escreve Poggioli: “Não é simplesmente em causa própria que ele desdenha daqueles que acreditam ter uma vida melhor e mais produtiva do que a sua: ‘Será que eles também não passam a vida dormindo em suas escrivaninhas e mesas de jogo?’ Ele acha que essas pessoas não são reais”.
Oblómov se torna então um dos grandes personagens da literatura e se transforma em adjetivo – oblomoviano. Já o livro ganha uma definição das mais bem humoradas de Poggioli: uma “Odisseia” de chinelos ou uma “Ilíada” de roupão.
Sinapse
- “Bartleby, Um Escrivão” (CosacNaify), de Herman Melville